"Os amantes de hoje preferem a droga mais leve, o tabaco mais light
ou o café descafeinado. Já ninguém quer ficar pedrado de amor ou sofrer de uma
overdose de paixão. As emoções fortes são fracas e as próprias fraquezas
revelam-se mais fortes. Os amantes, esses, são igualmente namorados da
monotonia e amigos íntimos da disciplina. O que está fora de controlo
causa-lhes confusão, e afecta-lhes uma certa zona do cérebro, mas quase nunca
lhes toca o coração. O amor devia ser sonhado e devia fazê-los voar; em vez
disso é planeado, e quanto muito, fá-los pensar.
Sobre o amor não se tem controlo. É um sentimento que nos domina, que nos
sufoca e que nos mata. Depois dá-nos um pouco vida. No amor queremos viver, mas
pouco nos importa morrer e estamos sempre dispostos a ir mais além. Deixamo-nos
cair em tentação, e não nos livramos do mal, embora procuremos o bem. No amor
também se tem fé, mas não se conhecem orações: amamos porque cremos, porque
desejamos e porque sabemos que o amor existe. Amamos sem saber se somos amados,
e por isso podemos acabar desolados, isolados e deprimidos. Que se lixe! O amor
não é justo, não é perfeito; no amor não se declaram sentenças nem se proferem
comunicados. O amor prefere ser imprevisível, cheio de riscos e de fogo
cruzado. No amor os braços não se cruzam, as palavras não se gastam e os gestos
servem para o demonstrar. Amar também é lutar, e enfrentar monstros fabulosos
com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de dragão. É uma ilusão, um sonho,
um absurdo e uma fantasia. O amor não se entende, não se interpreta, não se
discerne nem se traduz. Quem ama acredita, mas não sabe bem porquê, não sabe
bem o quê, nem percebe bem como."
Rogério Fernandes, in 'Alterne Activo'